Cetáceos de profundidade ameaçados pela ingestão de macrolixo nas águas atlânticas ibéricas

A ingestão de macrolixo por mamíferos marinhos que se alimentam nas profundezas do Oceano Atlântico, ao largo das costas portuguesa e espanhola, constitui um problema ambiental grave. A conclusão é de uma investigação conduzida pelo Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM/DBIO), da Universidade de Aveiro, que alerta para os perigos crescentes da poluição por plásticos nos oceanos, sobretudo para espécies como o zífio, o cachalote-pigmeu e o cachalote — este último considerado globalmente vulnerável.

O trabalho científico liderado pela bióloga Sara Sá revelou que a presença de lixo marinho de grandes dimensões — superior a 2,5 centímetros — é extremamente comum entre cetáceos que habitam águas profundas na região Ibero-Atlântica. Esta realidade tem sido um fator decisivo para a elevada taxa de mortalidade destas espécies.

De acordo com a investigadora, “aproximadamente metade dos cetáceos encontrados arrojados entre 1990 e 2019 apresentavam macrolixo nos seus sistemas digestivos, sendo que, em muitos casos, esta foi a causa direta da morte”. As análises revelaram a presença de diversos tipos de resíduos, incluindo sacos e embalagens plásticas, componentes de artes de pesca em plástico e metal, objetos metálicos variados e até luvas de cabedal.

As espécies mais afetadas identificadas no estudo foram o zífio, o cachalote-pigmeu e o cachalote. A situação dos cachalotes é particularmente preocupante, dado que a espécie está classificada como “Vulnerável” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). A forma como se alimentam — por sucção no fundo do oceano — aumenta substancialmente o risco de ingerirem resíduos marinhos de forma involuntária.

Para Sara Sá, o cenário é “bastante grave” e exige uma resposta à escala global para travar a crescente acumulação de plásticos nos mares. Sem ações eficazes, as populações destas espécies poderão regredir rapidamente, comprometendo a estabilidade dos ecossistemas marinhos e a sua resiliência face às alterações climáticas.

Os animais analisados no âmbito da investigação foram encontrados nas regiões costeiras do norte e noroeste da Península Ibérica. O estudo abrangeu desde a costa centro-norte de Portugal, entre Caminha e Lisboa, até às costas galega, asturiana, cantábrica e basca, no norte de Espanha.

Por habitarem zonas oceânicas profundas e áreas de acentuado declive submarino, estas espécies de cetáceos mergulhadores continuam pouco estudadas. Nesse sentido, as necrópsias realizadas a indivíduos arrojados são uma ferramenta essencial para avaliar o impacto da atividade humana sobre estes animais e para acompanhar a evolução da poluição marinha.

Sara Sá sublinha a importância da continuidade deste tipo de investigação: “Dar seguimento a estes estudos é crucial para desenvolver e aplicar estratégias de conservação realmente eficazes”.