Dia Mundial dos Oceanos: Investir no Conhecimento do Oceano

Os Diretores das Unidades de Investigação / Laboratórios Associados CCMAR (Centro de Ciências do Mar do Algarve), CESAM (Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, Universidade de Aveiro), CIIMAR (Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental), MARE (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente) e OKEANOS (Instituto de Investigação em Ciências do Mar/Universidade dos Açores) publicaram, no jornal Público, a seguinte carta aberta:

Portugal é uma nação historicamente e profundamente ligada ao mar. Herdámos um oceano vasto, rico em biodiversidade e cheio de potencial, mas também repleto de desafios. Gerir este património exige mais do que vontade, exige conhecimento sólido, investimento consistente e visão estratégica de longo prazo.

O que no passado constituía uma barreira intransponível, é atualmente a via de transporte de mercadorias mais importante a nível global. Aquilo que era uma fonte inesgotável de alimento, é presentemente um ecossistema onde uma boa parte dos estoques de peixes estão à beira do colapso devido à pesca excessiva. O que antigamente era longínquo e pristino, recebe resíduos produzidos pela atividade humana. O mar exerce a sua influência constante sobre as nossas vidas, nomeadamente, através da atmosfera, da hidrosfera e da biosfera.

A área oceânica de Portugal é muito superior à sua área terrestre e é considerada por muitos como a gema por explorar, o tesouro escondido em grande parte ainda por descobrir. Esta importância é notória no peso crescente das atividades económicas marítimas no produto interno bruto nacional, agora em cerca de 5%.

Mas o Oceano é muito mais do que o seu valor económico mais tangível. É o Oceano que rege o nosso clima. Foi no Oceano que a vida na Terra começou e se encontra a maior biodiversidade, muita dela ainda desconhecida para a ciência. Do Oceano vem oxigénio, energia, alimentos, e muito mais. O Oceano absorve grande parte do dióxido de carbono que produzimos através da queima de combustíveis fósseis. Sem a Corrente do Golfo, o clima em Portugal seria muito mais frio e rigoroso. Sem o Oceano, a temperatura na Terra seria insuportável e não permitiria a vida.

Portugal tem à sua guarda uma parte importante deste capital natural, o Oceano Atlântico, que é essencial preservar para assegurar o bem-estar das gerações vindouras. Trata-se de uma responsabilidade que não é possível ignorar. E para se poder gerir é preciso conhecer e educar.

Apesar dos avanços significativos das últimas décadas, a ciência em Portugal continua a enfrentar limitações estruturais e de financiamento, em parte devido às conhecidas restrições orçamentais do país, o que dificulta a sua consolidação e a sua competitividade à escala internacional.

À semelhança de outros domínios científicos, também as Ciências do Mar em Portugal evoluíram muito, como o atesta a produção científica por milhar de habitantes que já é a segunda da Europa, só atrás da Noruega. Contudo precisamos de conhecer melhor os nossos mares, para o que é necessário uma política científica e recursos que permitam que nos coloquemos ao mesmo nível de instituições estrangeiras de topo que atuam no mesmo domínio.

Investigar o Oceano tem as suas especificidades

Se compararmos com o meio terrestre, a água é muito mais viscosa do que o ar, e a pressão aumenta uma atmosfera por cada 10 metros de profundidade (uma atmosfera é a pressão exercida pela massa de ar ao nível do mar), o que faz com que sejam necessários navios, submersíveis e outros veículos aquáticos para nos podermos deslocar no mar. Além disso, a água salgada corrói, deteriorando  mais rapidamente os materiais, comparativamente com o que se passa em água doce e no ambiente terrestre.  Isto faz com que a investigação no mar, tal como no espaço, tenha custos mais elevados do que nos ambientes terrestres.

Na realidade, em Portugal não temos os meios para investigar como seria necessário a nossa zona económica exclusiva, sejam navios, submarinos ou meios de observação fixos. Os navios nacionais raramente estão acessíveis às universidades e centros de investigação, não sendo possível desenvolver estratégias e programas que vão para além do curto prazo. Os meios que existem são também, em parte, obsoletos, com elevados custos de manutenção e reparações frequentes, exigindo paragens prolongadas, tornando-se insuficientes. Em países vizinhos, como Espanha, têm sido adotados modelos de gestão mais integrados e colaborativos, que facilitam o acesso da comunidade científica aos navios de investigação e promovem sinergias entre diferentes entidades. A frota oceanográfica espanhola é coordenada pela Comissão de Coordenação e Acompanhamento das Atividades dos Navios Oceanográficos (COCSABO), garantindo a colaboração entre diferentes entidades e o alinhamento com os objetivos científicos nacionais e europeus. É crucial garantir aos cientistas nacionais o acesso a navios de investigação, o chamado “tempo de navio”, sendo para tal fundamental a colaboração com os laboratórios do Estado, como é o caso do IPMA.

A humanidade enfrenta grandes desafios que só pode superar atuando conjuntamente e em que é essencial a preservação dos oceanos. Portugal tem a seu cargo uma área oceânica que lhe confere responsabilidades acrescidas no contexto internacional, mas também oportunidades na economia do futuro.

Ao longo das últimas décadas, Portugal tem vindo a afirmar-se como um país com vocação científica e compromisso com o conhecimento. É importante que, mesmo perante contextos globais desafiantes, Portugal mantenha o seu compromisso com o investimento em ciência, reconhecendo o seu papel essencial na construção de respostas sustentáveis e eficazes. A meta de atingir 3% do PIB em investimento em I&D até ao final da década deverá ser encarada como um objetivo estratégico nacional, não apenas para garantir maior competitividade global, mas para assegurar uma base sólida de desenvolvimento sustentável.

No caso das Ciências do Mar, este esforço assume uma dimensão ainda mais urgente e relevante. Trata-se de um domínio onde a investigação exige meios tecnológicos avançados e complexos com custos operacionais elevados e infraestruturas especializadas. Um investimento mais consistente nesta área permitirá não apenas aprofundar o conhecimento sobre o nosso oceano, como também permitir a Portugal um posicionamento como um parceiro de referência no combate às alterações climáticas, assim como na preservação da biodiversidade marinha e na potencialização e valorização dos recursos naturais.

Garantir esse futuro passará por colocar a ciência no centro das decisões estratégicas e estruturais e, por sua vez, reconhecer o oceano como um ativo nacional que merece ser estudado, protegido e valorizado com base no melhor conhecimento disponível.