Globalmente, há uma crise generalizada no fornecimento de ingredientes para rações formuladas com níveis adequados de ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa (LC-PUFA), nomeadamente da família n-3 (popularmente conhecido como ómega-3). Estes alimentos formulados são fundamentais para o cultivo de peixes e camarões marinhos, cuja procura continua a aumentar a nível mundial. Perante este cenário a FAO promove um novo paradigma que defende a diversificação de nutrientes, em vez da sua substituição, como um caminho para atender às necessidades presentes e futuras nesta temática. A utilização de novos ingredientes com base em organismos unicelulares que biossintetizam LC-PUFA (ex., microalgas) apenas recentemente começa a ter alguma viabilidade económica, estando a comunidade científica já desperta para a capacidade de alguns organismos de baixo nível trófico poderem bioacumular LC-PUFA (ex. poliquetas e insetos). Porém, esta bioacumulação apenas é possível se forem alimentados com dietas que já contenham esses nutrientes (ex., rações não consumidas, coprodutos do processamento de peixes marinhos…). Em 2019, um estudo preliminar revelou que os anfípodes gamarídeos marinhos, um grupo especioso de pequenos crustáceos peracarídeos semelhantes a camarões, são capazes de promover uma melhoria trófica de dietas terrestres à base de plantas (ex., farinha de tremoço e folhas de cenoura) em biomassa de anfípodes enriquecida em n-3 LC-PUFA. Ainda mais recentemente, em 2021, o repertório e as funções de genes de elongamento de ácidos gordos de cadeia muito longa (Elovl) foram investigados em anfípodes gamarídeos e foram sinalizados, pelo menos, três genes elovl distintos com papéis putativos na biossíntese de n-3 LC-PUFA (Elovl4, Elovl6 e “Elovl1/7-like”).
O projeto PUFApods visa produzir um novo ingrediente para a formulação de rações marinhas capaz de fornecer n-3 LC-PUFA: biomassa de anfípodes gamarídeos cultivada usando coprodutos do processamento de alimentos vegetais. Para atingir este objetivo, serão utilizados códigos de barras moleculares para realizar uma caracterização taxonómica destes organismos estuarinos autóctones na Ria de Aveiro e ferramentas lipidómicas para identificar os seus teores em LC-PUFAs (nomeadamente os ácidos eicosapentaenóico (EPA) e docosahexaenóico (DHA)).
A nossa hipótese assume que os anfípodes gamarídeos que colonizam águas de transição, nomeadamente nas regiões superiores dos estuários, terão desenvolvido uma maquinaria enzimática mais eficiente para transformar ácidos gordos saturados de cadeia curta (SC-SFA) de origem vegetal terrestre em n-3 LC-PUFA. Nesses habitats, estes organismos estarão expostos a um maior nível de estresse osmótico e a cenários tróficos com maior contribuição de alimentos vegetais terrestres. Como tal, é mais provável que esses organismos tenham evoluído a sua capacidade de elongar e dessaturar SC-SFA em n-3 LC-PUFA, pois estas biomoléculas são fundamentais para a osmorregulação e não estão presentes em alimentos vegetais terrestres.
Esta hipótese será testada avaliando o desempenho destes organismos sob diferentes salinidades (de 5 a 45 salinidade) quando alimentados com coprodutos do processamento de alimentos vegetais (ex. cascas de batata, cascas de cebola e folhas de alface). Serão monitorizados o efeito na sobrevivência, crescimento e perfil em n-3 LC-PUFA. Também será explorada a existência de programação nutricional, expondo a descendência de organismos cultivados com coprodutos do processamento de alimentos vegetais e cultivados com uma dieta marinha controlo a uma dieta exclusivamente de coprodutos do processamento de alimentos vegetais para avaliar se o desempenho da descendência produzida com coprodutos do processamento de alimentos vegetais supera a de conspecíficos produzidos com uma dieta marinha controlo. Os níveis de expressão génica serão determinados usando mRNA de genes envolvidos na biossíntese de LC-PUFA (Fad/Elovl).
Será desenvolvido um protótipo de biorreator modular para produção de anfípodes gamarídeos usando coprodutos do processamento de alimentos vegetais, sendo acautelados pela equipa os aspetos de PI que possam ser identificados. Por fim, avaliaremos a viabilidade da produção e incorporação de anfípodes gamarídeos ricos em n-3 LC-PUFA como ingrediente em rações formuladas para organismos marinhos.
O projeto PUFApods irá assim contribuir para o esforço contínuo de diversificação de ingredientes para alimentos formulados para espécies marinhas.
