A poluição luminosa devido às atividades humanas é atualmente uma importante preocupação ambiental. Nas últimas décadas, numerosos estudos têm chamado a atenção para os efeitos negativos da poluição luminosa e especialmente da presença de luz artificial noturna. A maioria destes estudos, conduzidos em ecossistemas terrestres e com vertebrados, mostra como a iluminação artificial altera ritmos biológicos reduzindo a performance biológica com alterações dos níveis de melatoninA. Esta hormona tem um papel fundamental na transmissão de informação acerca do fotoperíodo e no padrão circadiano de respostas fisiológicas, metabólicas e comportamentais. A avaliação do papel da luz artificial na disrupção endócrina é assim apontada como uma linha de investigação prioritária. Para tal são necessários estudos mecanicistas que associem a poluição luminosa aos efeitos biológicos. Estudos com invertebrados e especialmente condições de exposição mais realistas são também fundamentais. Estas são importante lacunas no conhecimento nomeadamente no que aos ecossistemas aquáticos urbanos diz respeito, dado que estes são particularmente afetados pela luz artificial. A crescente urbanização a nível global impõe de facto novos desafios à biodiversidade[. Para além da já referida poluição luminosa, os ecossistemas urbanos são também sujeitos a contaminação química (incluindo pesticidas) e aumentos da temperatura (aquecimento global). Dada a ubiquidade e ocorrência simultânea destes fatores de stress, torna-se essencial avaliar os efeitos combinados à luz de possíveis efeitos sinergísticos, tendo em conta o papel relevante que a poluição luminosa, os pesticidas e o aquecimento global têm na mediação de respostas microevolutivas das populações naturais. No entanto, a avaliação de risco ambiental assenta em dados de ensaios ecotoxicológicos que não têm em conta alterações no fotoperíodo ignorando os potenciais efeitos de luz artificial noturna. Esta é também uma limitação importante no que concerne à possível influência da iluminação artificial na tolerância e performance biológica das populações naturais. A hormona melatonina pode ser a peça chave em todo este processo. Para além do seu papel regulador de ritmos sazonais e circadianos, está também envolvida em importantes funções biológicas incluindo stress oxidativo, processos reprodutivos e comportamento assim como regulação de processos imunológicos e metabólicos. Dado que certos contaminantes podem também alterar os ritmos circadianos, e dado que a melatonina é encontrada em praticamente todos os taxa, exibindo uma ação multifuncional, a plasticidade observada relativamente à sua produção pode ser uma característica chave nas respostas e no potencial de adaptação não apenas à poluição luminosa, mas também à poluição química e ao aquecimento global.
O objetivo do projeto SLEEP é precisamente colmatar essas lacunas no conhecimento abordando com detalhe os efeitos da luz artificial noturna em invertebrados aquáticos. Esses efeitos serão avaliados em termos de condição fisiológica e performance, mas também em termos de alterações na tolerância à contaminação química e aumento de temperatura. A nossa abordagem centrar-se-á numa combinação de ensaios laboratoriais e de mesocosmos, em que tanto a luz artificial noturna (usando LEDs) bem como adições de melatonina serão manipuladas para perceber:
i) se a luz artificial afeta os níveis de melatonina e a performance de invertebrados dulçaquícolas;
ii) de que maneira a luz artificial e a esperada alteração nos níveis de melatonina influenciam a toxicidade de pesticidas e as respostas ao aumento de temperatura;
iii) quais as consequências ecológicas da luz artificial noturna para as interações entre espécies, para as populações naturais e para o funcionamento dos ecossistemas.
Assente na larga experiência e interesse partilhado nas áreas da ecotoxicologia e ecologia evolutiva e urbana da equipa de investigação, espera-se que os resultados deste projeto gerem conhecimento e aumentem a consciencialização acerca dos efeitos ecológicos da poluição luminosa. Estes dados serão importantes para uma mais era lista avaliação e interpretação dos efeitos da contaminação por pesticidas e do aquecimento global em contexto urbano. Os resultados serão também importantes na perspetiva da ecologia evolutiva dado que, ao documentarem a plasticidade fenotípica e variação genética das respostas fisiológicas mediadas pela melatonina, bem como as suas consequências biológicas, contribuirão para compreender melhor os mecanismos sob seleção, que governam as respostas às alterações globais. Por último, espera-se que os resultados do projeto SLEEP possam gerar conhecimento científico que sirva de base a melhores políticas de gestão e planeamento direcionadas para a proteção e conservação da biodiversidade dos ecossistemas dulçaquícolas urbanos bem como dos serviços por eles prestados.