Entrevistas CESAM: José Alves fala sobre a sua participação no episódio “Vou Voar Contigo” da RTP1

Esta semana, entrevistamos o investigador José Alves, membro do CESAM (Centro de Estudos do Ambiente e do Mar) e do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro. Numa conversa informal tentamos descobrir um pouco mais sobre a sua jornada ao participar no programa da RTP1, Linha da Frente. Desvendamos os segredos de como ele a sua equipa conseguiram conciliar as exigências do seu trabalho de campo com as filmagens, e exploramos a perspetiva do investigador sobre a relevância desses programas que levam a ciência até público em geral.

O episódio do programa Linha da Frente, intitulado “Vou Voar Contigo”, estreou com uma audiência de cerca de 600 mil espetadores na sua primeira exibição, conquistando uma fatia de 11.7% de share. Além disso, o episódio foi transmitido em diversos canais da RTP, incluindo a RTP Internacional e a RTP Açores.

Se quer saber mais sobre o trabalho desta equipa e ler em primeira mão alguns detalhes sobre as filmagens deste episódio não perca a nossa entrevista.

CESAM: Acredita que as mensagens que desejavam transmitir sobre o trabalho de investigação com estas espécies foram efetivamente comunicadas na reportagem? Há algo que acrescentaria?

José Alves: O grande objetivo da reportagem era fazer chegar as nossas descobertas ao grande público, e creio que isso foi amplamente conseguido. Desde a migração de vários milhares de quilómetros sem paragens do maçarico-galego1,2, aos ostraceiros que podem passar o inverno na Islândia ou migrar para outros países mais a sul, sendo que as crias seguem o comportamento migratório do pai3, até ao maçarico-de-bico-direito que responde às alterações climáticas chegando cada vez mais cedo à Islândia, mas fá-lo através das novas gerações e não por alteração dos ritmos migratórios de cada indivíduo4. Temos mais histórias e descobertas para contar, mas preferiria deixar isso para a próxima “reportagem”… Sublinho apenas uma das mensagens com que se inicia a reportagem: se não cuidarmos destas espécies que estão atualmente em declínio, corremos o risco de perder uma biodiversidade que une culturas. Estas aves não dependem apenas das condições que existem na Islândia, mas também daquelas que encontram nas suas zonas de invernada, incluindo Portugal. Portanto, a sua preservação tem de ter por base um trabalho em conjunto, ou seja, a Islândia pode investir milhões na sua conservação, mas se em Portugal não cuidarmos dos seus habitats, esse investimento não terá resultados (e vice-versa), podendo-se perder também ligações culturais que são mantidas por estas aves migradoras.

CESAM: Como conseguiram conciliar o trabalho de campo com as necessidades da equipa de gravação?

José Alves: A equipa da RTP esteve na Islândia cerca de 10 dias, e durante esse período estiveram no campo todos os dias a acompanhar os nossos trabalhos, que além de mim foram desenvolvidos este verão pelo João Belo, Afonso Rocha e Camilo Carneiro. Como sabíamos que durante esses dias teríamos de dedicar várias horas às filmagens, o que fizemos foi investir muito no campo antes da sua chegada e preparar bem os eventos que queríamos mostrar e filmar, para que servissem de apoio à narrativa dos nossos resultados científicos. Por exemplo, encontramos e monitorizamos ninhos/famílias das três espécies que estivessem em diferentes estágios de desenvolvimento: em plena incubação, próximo da eclosão, e com crias já mais desenvolvidas. Pode soar a coisa pouca, mas para dar uma ideia, os ninhos de maçarico-de-bico-direito são extremamente difíceis de encontrar, sendo que num ano bom encontram-se cerca de 20 ao longo de dois meses de trabalho de campo diário. Alguns destes ninhos são inevitavelmente predados ficando ainda um número menor disponível, e por isso foi necessário um esforço redobrado este ano, liderado pelo Afonso e pelo João direcionado a espécie, que resultou num número excecionalmente elevado de ninhos. Foi isso que permitiu filmar em apenas 10 dias, adultos a sentarem-se nos ovos (e alguns a serem capturados), ovos a eclodir e crias recém-nascidas, bem como crias que podem ser anilhadas com anilhas de cor ou código, respetivamente. Isto é bem visível no caso do Ostraceiro, onde todas estas imagens chegaram à reportagem final, pese embora não tenha sido esse o caso para as outras espécies. Por outro lado, como os nossos trabalhos de campo decorrem em locais diferentes da Islândia, fomos alternando os dias de filmagem entre locais e espécies, ou seja, apenas num dia estivemos os quatro juntos. Nos restantes, a RTP acompanhava o trabalho com uma espécie, deixando outros elementos da nossa equipa livres para realizarem os trabalhos de campo sem as câmaras e os microfones a “atrapalhar”.

CESAM: Em que medida considera importantes iniciativas como esta? No final do episódio, apelou à participação do público na vossa investigação. Que expectativas tem em relação a essa participação?

José Alves: Estas oportunidades são extremamente importantes! Além dos motivos já descritos, permitem também dar a entender ao público em geral porque é importante investir na investigação e empregar fundos públicos no estudo da biodiversidade. Um dos pilares das universidades (além do ensino e da investigação) é interagir com a sociedade e contribuir para que esta seja cada vez mais informada e conhecedora do mundo que a rodeia. Nesse sentido, fazer chegar os resultados dos trabalhos científicos ao público é parte da nossa missão como investigadores. A meu ver, isto é ainda mais relevante no que diz respeito à perda da biodiversidade, que é um indicador consistentemente dos mais ultrapassados em todas as três avaliações do espaço operacional seguro para a humanidade5. Ora os maiores fatores que levam à perda da biodiversidade têm origem na ação humana, quer de forma direta (perda de habitat para desenvolvimento de atividades antropogénicas) ou indireta (alterações climáticas resultantes da utilização dos combustíveis fósseis). Portanto, consciencializar a sociedade de que estas espécies absolutamente fascinantes estão a diminuir e podem vir a desaparecer, poderá contribuir para mudança de comportamentos e assim reduzir as atuais ameaças à biodiversidade. Por outro lado, lançar o convite para que membros da sociedade se tornem em “cidadãos cientistas” também aproxima o público destas espécies e pode contribuir para alterar consciências. A expectativa é que essa participação aumente, particularmente em Portugal, onde é muito baixa, e que assim se venha a tornar numa percentagem relevante das centenas de emails que recebemos com registos de combinações de anilhas de cor nas varias espécies de aves limícolas, enviados por membros do público ao longo de toda a rota migratória.

CESAM: Muito obrigado pela sua participação nesta entrevista. O trabalho realizado por si e pela sua equipa do CESAM demonstra como a ciência e a divulgação podem colaborar para preservar a nossa biodiversidade.

Se ainda não viu, o programa está disponível na RTP Play aqui.

Referências:

  1. https://www.nature.com/articles/srep38154
  2. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/jav.01938
  3. https://www.nature.com/articles/s41598-021-81274-9
  4. https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rspb.2013.2161
  5. https://expresso.pt/sustentabilidade/ambiente/2023-09-13-A-Terra-esta-agora-bem-fora-do-espaco-operacional-seguro-para-a-humanidade-planeta-ultrapassou-seis-dos-nove-limites-de-estabilidade-309dc4da