Estudo demonstra que as aves marinhas passam 40% do seu tempo no alto-mar

Os albatrozes e outras espécies de aves marinhas oceânicas  (como as cagarras e as pardelas) passam quase 40% do seu tempo em águas fora da jurisdição dos países, também conhecidas como “águas internacionais”. Esta descoberta é apresentada e discutida no trabalho “Global political responsibility for the conservation of albatrosses and large petrels”, recentemente publicado na revista Science Advances, e que resulta de contribuições de um vasto consórcio,que inclui um investigador de Ciências, pertencente ao pólo de Lisboa do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM).

O estudo baseia-se num enorme esforço de análise de movimentos de aves marinhas, que incluem 10,108 rotas de 5,775 indivíduos, pertencentes a 39 espécies de aves marinhas, obtidos em 87 colónias de reprodução (recorrendo a aparelhos de localização miniaturizados colocados nos animais). Muitas destas espécies de aves sofrem diversas ameaças em alto-mar, sendo que muitos albatrozes e aves oceânicas semelhantes estão atualmente em risco de extinção, de acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Entre as principais ameaças contam-se as capturas acidentais em artes de pesca, a escassez de alimento devida à sobrepesca, as alterações climáticas e a poluição. Nas zonas fora das jurisdições nacionais  a regulamentação relativa à conservação das espécies é mais difusa e a fiscalização da implementação de boas práticas é incipiente e pouco eficaz. Apesar das atividades de pescas estarem regulamentadas, não existe um enquadramento jurídico global que enquadre de forma adequada a conservação da biodiversidade no alto-mar.

Ao demonstrar que a maioria das espécies de aves oceânicas atravessa regularmente águas sob diferentes jurisdições, o estudo realça a ideia de que nenhuma nação pode, só por si, garantir a conservação destas aves ao longo de todo o ciclo anual. Acresce que todas as espécies analisadas dependem em alguma medida do alto-mar, i.e., das águas internacionais que cobrem metade da superfície do oceano global e um terço do globo terrestre.

As cagarras (Calonectris borealis), que nidificam em grande número nos Açores, na Madeira e também nas Berlengas, por exemplo, passam 48% do seu tempo em águas internacionais, e 12% do seu tempo em águas de países como o Brasil, o Uruguai, a Namíbia e a África do Sul, onde se alimentam de peixes e cefalópodes, e são vulneráveis à captura acidental em aparelhos de anzol. A conservação deste tipo de espécies com tanta mobilidade, é necessária uma cooperação internacional alargada que leve à mitigação dos riscos de mortalidade nas pescarias.

Este estudo é publicado num momento em que nas Nações Unidas se discute um tratado global que garanta a conservação e o uso sustentável da biodiversidade em águas internacionais. O que neste estudo foi documentado para as aves marinhas, aplica-se certamente a muitos outros migradores oceânicos emblemáticos, como as tartarugas-marinhas, as baleias, os golfinhos e grandes peixes predadores como os atuns e os tubarões. A sobrevivência destes animais carismáticos está dependente de uma cooperação internacional que cuide da conservação dos oceanos globais.

Artigo: Beal M, Dias MP, Phillips RA, Oppel S, Hazin C (…) Granadeiro JP, Catry P (2021) Global political responsibility for the conservation of albatrosses and large petrels. Sci Adv. Mar 3;7(10):eabd7225. doi: 10.1126/sciadv.abd7225.

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Imagem: Cagarra 

Autor:Benjamin Metzger

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