Estudo do CESAM-FCUL revela que pequeno e enigmático mamífero é mais ousado e ativo em ambiente urbano

Apesar de raramente avistado, o pequeno mamífero insectívoro musaranho-de-dentes-brancos (Crocidura russula) ocorre nos jardins e parques de várias cidades europeias, incluindo Lisboa. Foi precisamente na capital portuguesa que um estudo recente detetou diferenças substanciais no comportamento e metabolismo dos animais urbanos quando comparados com indivíduos provenientes de áreas naturais. O estudo foi conduzido por um grupo internacional de investigadores do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e da Universidade Adam Mickiewicz de Pozna?, Polónia. Os resultados deste estudo, que serão integrados na tese de doutoramento de Flávio Oliveira, foram já publicados na revista cientifica Behavioral Ecology.

Os testes de personalidade por nós aplicados revelaram que os musaranhos da cidade adotam comportamentos mais ousados e estão também mais predispostos a explorar um ambiente que lhes é estranho”, afirma Flávio Oliveira. Este tipo de adaptação urbana está em linha com estudos realizados noutras espécies, nomeadamente aves e insectos. O investigador acrescenta “A falta de vegetação natural e os constantes estímulos externos tão típicos do ambiente urbano, tais como ruído e luz artificial, levam a que os animais que aqui vivem se tornem mais arrojados na procura de comida e de locais onde possam habitar”.

Mas se as adaptações no comportamento foram o esperado, o resultado da avaliação da energia despendida foi surpreendente. “Estavamos à esperar de encontrar uma correspondência directa entre comportamentos ousados e ativos com elevadas taxas de consumo energético, ou seja, com uma maior capacidade metabólica” afirma Sophie von Merten, co-autora do estudo. “Ao invés, verificámos que os animais urbanos apresentam uma capacidade metabólica 37% inferior aos animais de áreas naturais”, revela a investigadora.

Os factores que influenciam a forma como os animais urbanos usam energia são ainda desconhecidos. Mas uma coisa é certa: entre o dar e o haver na relação comportamento e metabolismo, estes pequenos animais parecem estar adaptados à vida tanto no campo como na cidade. “Ao contrário do que acontece na maioria dos animais, os musaranhos parecem adotar uma estratégia de alocação de energia. Ou seja, animais com um metabolismo mais rápido são mais tímidos e exploram menos território, enquanto animais com um metabolismo mais lento são mais ousados e exploram mais território. Desta forma, o seu saldo energético mantém-se relativamente constante.” – conclui Flávio Oliveira.

O crescimento das áreas urbanas que se prevê continuar a aumentar vai levar a que mais animais se vejam confrontados com a dualidade campo/cidade. Maria da Luz Mathias, também ela co-autora do estudo, remata “Infelizmente, a maioria das espécies não vai conseguir adaptar-se a um ambiente tão alterado como as áreas urbanas. É por isso fundamental continuar a estudar o fenómeno de adaptação urbana em todas as suas vertentes: ecológica, fisiológica, comportamental e evolutiva. O nosso estudo revelou que o musaranho-de-dentes-brancos pode ser uma importante espécie-modelo para nos ajudar a compreender o destino das espécies perante uma alteração global como a crescente urbanização”.