Os estuários são ecossistemas altamente produtivos e de grande valor, fornecendo um grande número de serviços naturais e benefícios sociais (e.g. áreas de viveiro). Estes sistemas estão também sujeitos a várias pressões antropogénicas que convergem para os estuários. Por este motivo, há um crescente esforço internacional para melhorar a gestão de fontes de pressão difusa nestes ecossistemas. Os compostos farmacêuticos são considerados poluentes emergentes de preocupação prioritária, devido à sua ubiquidade no meio aquático e ao seu potencial para provocar efeitos biológicos até em concentrações baixas. São ainda considerados contaminantes persistentes ou pseudopersistentes, dado o uso crescente e libertação constante no meio aquático, sobretudo provenientes de estações de tratamento de águas residuais, o que está na génese da expressão ‘medicar o ambiente’.
Neste contexto, avaliar os efeitos dos resíduos farmacêuticos no ambiente estuarino é de extrema importância no sentido de uma gestão eficiente e do cumprimento de requisitos de qualidade ambiental. Contudo, a investigação ainda se depara com lacunas de conhecimento, particularmente no que toca à bioacumulação, aos efeitos de exposição crónica e a misturas de fármacos no meio natural. A informação existente é ainda mais escassa se considerarmos organismos marinhos e costeiros.
Como tal, o objetivo deste projeto é estimar e avaliar efeitos da exposição prolongada a fármacos ao nível de populações de peixes em estuários, tendo como base efeitos ao nível do indivíduo. A proposta é composta por três tarefas complementares que incluem avaliação ambiental, ensaios experimentais e o desenvolvimento de modelos preditivos dos efeitos da exposição a fármacos. A primeira tarefa pretende quantificar determinados compostos farmacêuticos em amostras de água e em organismos de diferentes níveis tróficos, de forma a avaliar fatores de bioacumulação e potencial transferência trófica destes contaminantes em estuários. Fatores de bioacumulação e bioamplificação fornecerão informações chave sobre a toxicodinâmica destes contaminantes no ambiente estuarino e o risco efetivo que os mesmos representam para espécies nãoalvo. O estudo irá focarse em espécies de peixes marinhos migradores com interesse comercial que usam os estuários como viveiro durante a fase juvenil, como é o caso do linguadolegítimo Solea solea, do linguadodoSenegal Solea senegalensis e do robalo Dicentrarchus labrax. Outros organismos de diferentes níveis tróficos serão também analisados de forma a cobrir os principais elos da teia trófica estuarina. A determinação simultânea da acumulação de mercúrio total e orgânico em organismos de diferentes níveis tróficos irá contribuir para validar a dinâmica trófica previamente descrita e os trajetos de bioamplificação.
A segunda tarefa irá utilizar juvenis de peixe para avaliar os efeitos nocivos da exposição prolongada aos fármacos selecionados, individualmente e em mistura. Dada a dificuldade de discernir, no ambiente, os efeitos destes contaminantes de efeitos causados por outras fontes de pressão naturais e antropogénicas, serão realizados estudos experimentais em laboratório para determinar múltiplos efeitos biológicos (e.g. crescimento, condição, biomarcadores, comportamento), que suportarão o desenvolvimento de modelos na tarefa final. Será também utilizada a análise proteómica para detetar biomarcadores novos ou mais específicos de exposição crónica e/ou efeitos de fármacos; informação esta que será de elevado interesse em futuros estudos de monitorização estuarina.
Na tarefa final serão usados modelos para estimar efeitos ao nível da população a partir dos efeitos individuais observados, de forma a produzir uma abordagem ecologicamente relevante. Esta abordagem junta um modelo dinâmico de balanço energético (DEB) com um modelo baseado no indivíduo (IBM): O DEB permite modelar a natureza dinâmica das respostas metabólicas individuais, enquanto o IBM será usado para representar as interações biológicas (e.g. eficiência alimentar, fuga a predadores) num ambiente estocástico. O modelo DEBIBM irá fazer a ponte entre condições ambientais variáveis e observações de testes de toxicidade em ambiente controlado.
Em geral, a proposta aborda um tema atual e prioritário, com relevância ecológica e para a sociedade. A abordagem inovadora irá produzir uma avaliação única em Portugal (e rara no mundo) dos impactos dos fármacos em estuários que, combinada com experimentação dirigida e deteção dos efeitos no indivíduo, irá permitir estimar efeitos ao nível populacional. Os resultados representarão um passo importante no sentido de uma melhor gestão da qualidade ambiental em estuários.
A equipa de investigação é composta por peritos de áreas complementares dentro do âmbito do projeto, nomeadamente ecologistas, ecotoxicologistas e químicos ambientais, no sentido de atingir os objetivos propostos.