Os bivalves constituem uma componente essencial dos ecossistemas estuarinos e costeiros uma vez que representam uma proporção elevada da fauna bentónica total. Esta classe de organismos inclui muitas espécies-chave que desempenham um papel importante nas comunidades ecológicas e no funcionamento do ecossistema. Os bivalves são considerados engenheiros do ecossistema porque através do seu hábito de alimentação por filtração e da sua atividade de escavação, criam, modificam e mantêm habitat para outras espécies viverem. Para além disso, eles fornecem condições estruturais para outros invertebrados se estabelecerem e ocupam uma posição crucial dentro da cadeia alimentar. Os bivalves estão ligados aos produtores primários através do seu hábito suspensívoro e relacionados com os níveis tróficos mais elevados como presa de muitas espécies de aves, peixes, crustáceos e equinodermes. Algumas espécies de bivalves são ainda a base de importantes atividades comerciais e por isso a fonte de diversos serviços do ecossistema. Devido a todas estas características, os bivalves contribuem significativamente para a biodiversidade e resiliência dos ecossistemas. Desta forma, a identificação dos fatores que podem modular a sua dinâmica populacional e consequentemente a sua conservação revela ser de importância extrema. O berbigão Cerastoderma edule (Bivalvia: Cardiidae) é um bivalve que vive em sistemas marinhos semi-abrigados ao longo da costa nordeste do Oceano Atlântico, do Mar de Barents à Mauritânia onde é nativo e muitas vezes dominante. Os berbigões desempenham um papel crucial no ecossistema, sendo um elo importante entre cadeias alimentares. Estes organismos são ainda responsáveis por vários serviços do ecossistema, como o armazenamento de carbono e a participação no ciclo de energia. Em várias regiões, C. edule é uma espécie intensivamente explorada com alto valor económico. Em Portugal, a apanha de berbigão tem particular relevância socioeconómica, tendo representado 20% do total de capturas Europeias de 2015 o que correspondeu a 5 mil toneladas capturadas e 4,5 milhões de euros em receitas. Na Ria de Aveiro (Portugal), a apanha de berbigão é tradicionalmente realizada por profissionais licenciados. No entanto, a colheita ilegal levada a cabo por mariscadores não licenciados e turistas também ocorre. Para muitas famílias, esta atividade é mesmo a principal fonte de rendimento pelo que representa uma importante questão socioeconómica para esta região. A produção de berbigão a longo prazo apresenta uma variabilidade alta e Portugal não é exceção, onde têm vindo a ocorrer episódios de mortalidade em massa com crescente frequência e intensidade nas últimas décadas e com consequentes efeitos severos nos stocks naturais. Fatores como doenças emergentes, sobrepesca, gestão ineficiente e degradação das condições ambientais têm sido apontados como os principais impulsionadores do declínio da produção de berbigão, o que tem levado a elevados impactos económicos e ecológicos. Este cenário tem graves consequências no fornecimento de serviços do ecossistema, culturais e sociais por parte desta espécie com impactos na estrutura social das comunidades costeiras. Os stocks de bivalves são recursos renováveis desde que seja assegurada a sua capacidade de auto-renovação. Isto requer uma gestão de recursos eficiente; ou seja, um controlo do limite da quantidade de recurso que é colhida, que deve corresponder a um valor que permita a sua sustentabilidade a longo prazo. Apesar da importância da apanha de berbigão na Ria de Aveiro, há ainda uma considerável falta de dados primários inerentes a esta atividade pesqueira (por exemplo, esforço de pesca, distribuição e abundância da espécie-alvo, composição das capturas e capturas não declaradas) e ao seu caráter socioeconómico. Paralelamente, a falta de conhecimento sobre a biologia de C. edule dificulta a implementação de planos de gestão efetivos, comprometendo a exploração sustentável deste recurso vivo a médio prazo. Este estudo surge neste contexto e tem como objetivo recolher informações multifatoriais sobre a pesca de berbigão, a biologia do berbigão e as características físico-químicas dos bancos de berbigão. Esta informação permitirá o desenvolvimento, a curto prazo, de um plano de gestão dinâmico que promova um regime cooperativo de conservação e exploração sustentável deste importante recurso e respetiva atividade pesqueira. Os objetivos específicos deste projeto são: avaliar o desempenho e aptidão da população de berbigões, através da determinação da sua distribuição, abundância, dinâmica e saúde reprodutiva; identificar os principais impulsionadores do declínio e/ou sucesso das populações de berbigão após uma análise exaustiva do esforço de pesca, fatores abióticos e doenças; estimar a distribuição potencial da população de berbigão na Ria de Aveiro e prever tendências futuras de distribuição sob diferentes cenários de alterações climáticas através de um mapeamento preditivo de habitats baseado na modelação de nicho ecológico; criar uma ferramenta de apoio para auxiliar a gestão de berbigão e ações de conservação; promover o desenvolvimento sustentável da pesca de berbigão e a consequente melhoria dos serviços económicos, sociais e ambientais para a região, por meio de atividades de comunicação e disseminação e a fundação de uma cooperativa da pesca do berbigão. Estes objetivos serão alcançados combinando trabalho de monitorização, modelação e uma abordagem cooperativa, utilizando metodologia padrão e adaptada, cujo plano estratégico é composto por cinco atividades diferentes. Estas atividades serão realizadas por uma equipa de investigação jovem e multidisciplinar, apoiada por consultores especializados. A ferramenta de assistência que vai ser desenvolvida para apoiar um plano de gestão dinâmico e a criação da cooperativa de pescadores constituem os principais indicadores deste projeto, resultando em iniciativas sustentáveis que contribuirão para a conservação da população de berbigão na Ria de Aveiro.