As microalgas simbióticas da família Symbiodiniaceae, também conhecidas como zooxantelas, envolvem-se em simbioses tróficas com corais e outros organismos marinhos. Estas associações mutualistas, em que microalgas vivem como endossimbiontes no hospedeiro, fornecendo nutrientes orgânicos ao hospedeiro em troca de proteção e de nutrientes inorgânicos, desempenham um papel essencial na manutenção da produtividade e diversidade dos recifes de coral. De facto, estas simbioses têm uma tão fundamental importância para os recifes que os simbiodiniáceos, que são considerados espécies-chave nesses ecossistemas, e referidos como “motores dos recifes”. Menos conhecido é o facto de que, paralelamente à evolução das formas de vida simbiótica, muitos simbiodiniáceos mantiveram-se como formas de vida livre. Essas populações ambientais representam um importante ‘pool’ de células, a partir do qual os hospedeiros obtêm os seus simbiontes, sendo crescentemente reconhecidos por manter a diversidade funcional destas associações simbióticas. No entanto, para além da importância ecológica dos recifes, pouco se sabe sobre a biologia dos simbiodiniáceos de vida livre. Os habitats bentónicos dos recifes, especialmente as areias, parecem ser ‘hot spots’ para as populações de simbiodiniáceos, mas o modo como estas vivem, e se adaptaram a esse habitat, tem permanecido desconhecido desde há décadas.
O estudo dos simbiodiniáceos bentónicos sofreu um impulso novo com a descoberta pela nossa equipa de que, em cultura, estes dinoflagelados formam comunidades calcificadoras de microalgas e bactérias que precipitam depósitos de carbonato de cálcio semelhantes a grãos de areia, nos quais se envolvem como células endolíticas viáveis. A formação destes microbialitos, denominados ‘simbiolitos’, forneceu a primeira evidência circunstancial da existência de um nicho endolítico construído por simbiodiniáceos. Esta hipótese foi posteriormente apoiada de forma direta, com a descoberta, por técnicas de ‘metabarcoding’, de diversas comunidades endolíticas em areias de recifes de Heron Island, Grande Barreira de Corais, Austrália.
A descoberta de simbiodiniáceos endolíticos representa um avanço importante na revelação da história de vida dos simbiodiniáceos em habitats bentónicos. Também altera fundamentalmente a compreensão da biologia e ecologia destas microalgas, num sentido mais amplo. Por exemplo, o facto de que o nicho endolítico pode proteger as células dos dinoflagelados relativamente a fatores ambientais nocivos, como a radiação ultravioleta (UVR), fornecendo aos simbiodiniáceos uma proteção anteriormente desconhecida. A existência de simbiodiniáceos endolíticos também oferece novas perspetivas conceptuais sobre o próprio nicho endolítico, sugerindo que os simbiodiniáceos podem desempenhar um papel anteriormente desconhecido na calcificação microbiana de sedimentos. Trata-se de um processo induzido pelo efeito da atividade microbiana, como a fotossíntese das microalgas, sobre o carbonato de cálcio da água do mar, conduzindo ao crescimento dos grãos de areia. Torna-se assim particularmente alarmante o facto de a areia de carbonato que abrigam os simbiodiniáceos endolíticos se possam dissolver devido à acidificação do oceano (OA), prevista para o próximo século, ameaçando o nicho endolítico recém-descoberto antes que seu significado seja totalmente explorado.
Os objetivos deste projeto centram-se em três linhas de investigação. Uma consiste na identificação de potenciais funções do nicho endolítico, estudando experimentalmente a fotobiologia da UVR em simbiolitos e em grãos de areia naturais. Outra linha centra-se em estudar in situ, no recife, se os mecanismos de precipitação mineral que permitem a produção de simbiolitos in vitro também direcionam sua entrada no nicho endolítico nos grãos de areia dos recifes; avaliar se esses mecanismos variam sazonalmente com a radiação solar e a temperatura; e abordar a questão premente de saber se a OA pode impedir que os simbiodiniáceos entrem no nicho endolítico, impedindo a precipitação mineral subjacente. Paralelamente, pretendemos caracterizar as comunidades bacterianas associadas e a sua dinâmica, a fim de comparar o seu papel no processo de calcificação induzida por simbiodiniáceos in situ e em cultura. Como terceira linha, pretendemos identificar novos taxa de simbiodiniáceos em comunidades endolíticas de recifes, a fim de possibilitar estudos sobre sua diversidade funcional e possíveis adaptações. Os resultados do projeto fornecerão uma nova visão sobre a função do nicho endolítico; os processos que sustentam o seu estabelecimento; os fatores físico-químicos e biológicos que influenciam esses processos; e como eles mudarão em oceanos mais ácidos. Em conjunto, o projeto representará um esforço combinado para explorar uma nova fronteira microbiana nos recifes de coral e o seu significado nestes ecossistemas ameaçados.