O uso atual de fertilizantes químicos, de pesticidas e a irrigação possibilitou o aumento da produtividade agrícola, que alimentou a população mundial nas últimas décadas. Como contrapartida, ocorreu um forte impacto negativo em sistemas com influência humana, mas também em sistemas naturais. A população mundial atual é de cerca de 7,7 bilhões e até 2050 a previsão é de aumentar para 9,7 bilhões. O aumento da população vai impor novos desafios aos já identificados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) formulados pelas Nações Unidas.
Para que seja atingido o aumento esperado de alimentos com menor impacto para o ambiente, deverão ser seguidas metodologias sustentáveis, com menor pegada de carbono e menor dependência de fertilizantes inorgânicos caros e poluentes. No entanto, as alterações climáticas, que já se fazem sentir (o Eurostat reportou a diminuição da produção de cereais na Europa em 2018 devido à seca, e 4 anos depois o território português encontra-se (final do inverno) em seca moderada a extrema e os dias quentes e secos do verão mediterrânico ainda estão para vir) e as alterações que estão projetadas (aumento na intensidade, duração e frequência dos eventos extremos) vão dificultar a persecução deste objetivo. De facto, na UE, a Política Agrícola Comum (PAC) reconhece como uma tarefa desafiante e um objetivo principal aumentar a produção de alimentos em cenários de alterações climáticas, ao mesmo tempo que se preservam os recursos ambientais.
As estratégias agrícolas atuais que promovem produtividades agrícolas elevadas (melhoramento genético, uso de agroquímicos e maiores densidades de sementeira) também são responsáveis pelo aumento da suscetibilidade das culturas à seca. Os altos rendimentos estão, assim, cada vez mais dependentes de água, situação que não será possível manter muito mais tempo e que necessita de uma solução urgente. Entre as estratégias de bioeconomia mais importantes de sustentabilidade da produção primária e de implementação dos ODS encontram-se as abordagens baseadas em microrganismos. A União Europeia implementou a Estratégia de Bioeconomia e o Pacto Ecológico Europeu para responder aos ODS. Um dos grupos de trabalho do Fórum Internacional de Bioeconomia está focado na aplicação de tecnologias relacionadas com o microbioma. Estas tecnologias são reconhecidas como uma forma de apoiar o desenvolvimento de uma bioeconomia que permita a mitigação climática e a aceleração da bioinovação em sistemas alimentares. Além disso, o microbioma do solo é reconhecido pela FAO, pelo seu papel crucial na produção de alimentos, segurança alimentar e sustentabilidade ambiental. Tem sido realizada muita
investigação sobre a capacidade dos microrganismos promoverem o crescimento vegetal, como a produção de fitohormonas, fixação de azoto, produção de sideróforos e capacidade de solubilizar fosfato. No entanto, alguns efeitos da aplicação de inoculantes microbianos não são explicados por estas capacidades, sugerindo que é necessária investigação para identificar novos atores na promoção do crescimento vegetal, perceber o seu modo de ação e os seus efeitos nas plantas. Compreender o microbioma ao nível metabolómico e a importância dos metabolitos na interação planta-microrganismo trará certamente resultados que possibilitam novas soluções para um desafio social tão importante como a segurança alimentar.
Nos últimos anos, tem sido descrita a influência de vários compostos orgânicos voláteis (VOCs) bacterianos no crescimento das plantas. No entanto, a lista está longe de estar completa e pouco se sabe sobre a concentração efetiva e o modo de ação destes compostos. O MIRACLE propõe colmatar esta lacuna determinando a osmotolerância bacteriana, identificando os efeitos dos VOCs nos processos vegetais (estado nutricional, fisiologia, metabolómica, bioquímica, mecanismos de tolerância à seca), melhorando a sobrevivência bacteriana e controlando a libertação de voláteis bioativos no solo por encapsulamento de bactérias e VOCs.
O objetivo final do MIRACLE é produzir conhecimento que faça avançar a investigação fundamental sobre a interação planta-microrganismo, ao mesmo tempo que fornece tecnologia que pode ser transferida para a indústria de modo a produzir bioestimulantes e bioprodutos de nova geração que poderão contribuir para uma agricultura mais produtiva e sustentável. A equipa que integra o projeto inclui profissionais com diferente formação e grande experiência em todas as metodologias propostas, que apoiada pelo profundo conhecimento dos consultores quer na aplicação de ferramentas de bioinformática em contextos de biologia aplicada quer na emissão de voláteis bacterianos e dos seus efeitos nas plantas, irá assegurar a execução científica do projeto, a transferência de tecnologia, e a formação de jovens profissionais para a academia e a agroindústria que serão a força motriz do futuro para encontrar novas soluções que aumentem a segurança alimentar de forma sustentável.
