Investigador do CESAM em destaque nos média holandeses após entrevista sobre ameaça à ave nacional holandesa

O Maçarico-de-bico-direito é uma das várias espécies de aves limícolas migradoras que usa o estuário do Tejo como local de repouso e alimentação durante o período não reprodutor, e que se prevê seja seriamente afectada pelo novo aeroporto de Lisboa, localizado na península do Montijo, em pleno estuário do Tejo.

As rotas de aproximação e decolagem propostas para o aeroporto do Montijo, fazem com que as aeronaves sobrevoem áreas de alimentação de excelência destas aves (zonas intertidais e campos de arroz) bem como locais de repouso como salinas, lagoas e sapais, onde descansam no período da maré cheia. Como assinalado no estudo de impacto ambiental (EIA), o ruido provocado pelas aeronaves ira causar uma perturbação sonora que implica uma reacção por parte das aves, nomeadamente voos de afastamentos. Estes impactos terão lugar nos referidos habitats, não só mas também, dentro da área protegida por legislação nacional (Reserva Natural do Estuário do Tejo), por directivas europeias (Zona de Protecção Especial) e integrante de vários acordos internacionais dos quais Portugal é signatário (por exemplo a convenção de Ramsar). A área total afectada por esta perturbação foi subestimada no EIA e as medidas de compensação propostas na Declaração de Impacto Ambiental (DIA) são manifestamente insuficientes, para realmente compensar estes impactes, apesar de no mesmo documento se declararem: “(…)negativos, significativos, de magnitude moderada/elevada, permanentes e irreversíveis na avifauna do estuário, que decorrem da perturbação causada pela circulação de aeronaves e que têm como consequência a redução das áreas de refúgio, alimentação e nidificação das aves aquáticas que o frequentam.

Entre estas espécies encontra-se o Maçarico-de-bico-direito, cuja população reprodutora na Europa Central (particularmente Holanda, Bélgica, Alemanha, Dinamarca e Inglaterra) tem demostrado declínios muito significativos, na ordem dos 30-49% nos últimos 26 anos. Devido a esta trajectória negativa, a espécie é classificada como “quase ameaçada” segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza sendo atualmente alvo de vários programas de conservação, muitos financiados pela União Europeia (Projectos Life, Agri-Environemtal Schemes, etc). E na Holanda, o Maçarico-de-bico-direito é a ave nacional!

A população europeia de Maçarico-de-bico-direito é atualmente composta por 102 a 149 mil casais, sendo que nos arrozais do Tejo, os números em Janeiro e Fevereiro oscilam entre 20 a 50 mil indivíduos, com algumas contagens a atingirem os 80 mil aves em anos recentes. Estas aves, algumas delas que migram até Africa, reúnem-se nos arrozais do estuário do Tejo em preparação para a migração com destino às suas áreas de reprodução no norte da Europa. É portanto nesta área protegida em Portugal que se alimentam e descasam antes do voo migratório final. A perturbação provocada pelas aeronaves que com muita frequência irão produzir níveis de ruido acima dos valores ignorados pelas aves, irá colocar uma nova pressão nesta espécie, num período crítico do ano.

José Alves, investigador no DBIO e CESAM, foi entrevistado esta semana por um média Holandês da da Frísia (Omrop Fryslan), província holandesa onde os maçaricos são muito abundantes. A notícia foi publicada on-line, bem como na rádio e televisão (ver anexo, em Holandês), sendo que esta história chegou aos média nacionais (NOS), e despoletou perguntas imediatas das ONGAs Holandesas ao governo do pais, envolvendo este investigador.

A notícia tem vindo a ganhar importância na Holanda e “não deixa de ser curioso como um estado membro dá tanta relevância a uma espécie, quando em Portugal, onde muitas outras espécies serão afectadas pelo novo aeroporto esta temática seja muito pouco debatida.”

“Cabe-nos a nós como sociedade de um estado soberano proteger a nossa biodiversidade, que nalguns casos partilhamos com outros países. Infelizmente, não é isso que estamos a fazer, e no caso do aeroporto do Montijo, estamos conscientemente e manifestamente a tomar acções no sentido inverso à conservação das espécies migradoras”.