As Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) são reconhecidas por órgãos de governo internacionais e por diplomas legais (Convenção da Diversidade Biológica, Directiva Quadro da Estratégia Marítima, Convenção OSPAR) como ferramentas fundamentais para a gestão do ambiente marinho, dado que providenciam um tampão contra perturbações ambientais agudas e difusas. O estabelecimento e a gestão de redes efectivas de AMPs é contudo dificultado pela escassez de dados disponíveis para os cientistas e gestores sobre aspectos fundamentais da dinâmica das populações marinhas. Esta escassez de dados é devida ao facto de a maior parte das espécies marinhas ter um ciclo de vida bi-fásico, em que uma pequena larva planctónica precede um adulto bentónico. Dados que as pequenas larvas são transportadas pelas correntes marinhas num meio com fronteiras difusas, a reprodução local está desacoplada do recrutamento local e as subpopulações de espécies marinhas estão distribuídas sobre manchas de habitats que diferem em qualidade, taxa de crescimento populacional e conectividade. Estudos empíricos e teóricos indicam que a persistência deste tipo de populações depende de dois mecanismos básicos: i) auto-persistência das populações locais e ii) persistência que depende da conectividade entre várias populações locais. A conectividade entre subpopulações marinhas, mediada pelo fluxo de larvas, é consequentemente uma propriedade emergente destes sistemas e uma consideração chave no desenho e localização de AMPs.
Como avaliar a conectividade das populações e monitorizar a dispersão de larvas planctónicas é um dos temas mais debatidos da biologia marinha contemporânea. O reduzido tamanho das larvas e as condições físicas sob as quais elas se dispersão tornam a monitorização directa impossível na prática. Os investigadores têm portanto sido obrigados a utilizar estimativas indirectas de dispersão. Até ao momento, não existe uma única metodologia que consiga avaliar as consequências demográficas, genéticas e evolucionárias da dispersão em populações marinhas. Estas circunstâncias têm dificultado o conhecimento da dispersão oceânica, conhecimento que é crucial se quisermos conservar e explorar os recursos marinhos biológicos de uma forma sustentável. Numa tentativa de resolver este enigma científico tem-se desenvolvido um consenso sobre a necessidade de utilizar ferramentas múltiplas para aferir as rotas e escalas típicas de dispersão larvar no oceano.
O objectivo central do projecto LarvalSources é estimar a conectividade entre duas AMPs portuguesas, a Reserva Natural das Berlengas e o Parque Natural da Arrábida, e entre estas e a restante costa, de modo a obter informação básica para avaliar os factores que afectam a sua persistência e desempenho ecológico. Utilizaremos duas espécies de recifes rochosos com histórias de vida contrastantes (um caboz e um mexilhão) e duas técnicas complementares para avaliar a conectividade, impressões digitais elementares e modelação biofísica, as quais são duas das mais promissoras técnicas para investigar estes problemas. Os oligoelementos do ambiente natal incorporados no otólito do peixe e na concha do mexilhão serão amostrados com técnicas de ablação por laser e quantificados por espectrometria de massa. Atlas de assinaturas natais baseados nestas medições formarão a base para a identificação das populações natais de jovens recrutas e a construção de matrizes de conectividade empíricas. As matrizes previstas serão estimadas por um modelo de circulação baseado no Regional Ocean Modeling System, ao qual são acoplados modelos baseados no indivíduo para simular a biologia larvar. Se as matrizes empíricas e previstas estiverem correlacionadas, então será conseguido um conhecimento das escalas espaciais de conectividade, dos mecanismos subjacentes à dispersão larvar e da robustez das rotas de conectividade. Se não estiverem correlacionas então os modelos baseados no indivíduo serão refinados até se obter uma melhor compreensão da conectividade observada. De modo a englobar a variabilidade temporal da dispersão causada pela variabilidade das correntes oceânicas este estudo será conduzido em dois anos diferentes. Como corolário deste estudo os resultados sobre conectividade serão utilizados numa análise demonstrativa do papel das duas AMPs na persistência e produção da pescaria artesanal de mexilhão.
A equipa de investigação do projecto LarvalSources tem estudado os factores que controlam a dispersão e o suprimento de larvas em populações de organismos bentónicos, utilizando programas intensivos de observações no campo e modelação numérica da circulação e da biologia larvar. Conjugando esta experiência com o nosso conhecimento sobre o uso de marcadores geoquímicos julgamos estar em boa posição para abordar o uso integrado destas promissoras metodologias para avaliar a performance ecológica da rede portuguesa de áreas marinhas protegidas.