O principal objectivo deste projecto é desenvolver um novo procedimento para descontaminar as águas de pisciculturas. Esta escolha deve-se à importância crescente da aquicultura mundial, para compensar a progressiva redução das populações naturais de peixes, e pelo facto de várias pisciculturas sofrerem, frequentemente, grandes perdas económicas, devido a infecções causadas por microrganismos patogénicos, incluindo as bactérias multirresistente, que são facilmente transmitidos através da água e, portanto, capazes de infectar uma grande variedade de peixes.
O nível de contaminação dos produtos de cultura aquática por bactérias patogénicas depende do ambiente e da qualidade bacteriológica da água piscícola. Assim sendo, os peixes produzidos em pisciculturas, como todos os animais, são ameaçados constantemente por microrganismos. Embora a vacinação seja o método ideal para impedir doenças infecciosas, as vacinas disponíveis no mercado são ainda muito limitadas na área da piscicultura. A quimioterapia é um método rápido e eficaz para tratar ou impedir infecções bacterianas, mas o uso frequente de antibióticos levou ao desenvolvimento de resistências a estes químicos. Este problema pode ser sério porque são poucas as drogas licenciadas para uso em piscicultura (Moruga et al, 2001; Regulamento EEC do Conselho nº2377/90). Contudo, para reduzir o risco de aparecimento e disseminação de bactérias resistentes aos antibióticos, outros métodos menos lesivos em termos ambientais, tal como a terapia fágica, devem ser desenvolvidos.
Há diversas vantagens potenciais da terapia fágica sobre a quimioterapia: alvo é específico, desenvolvimento limitado de resistência, baixo impacto no ambiente, aprovação reguladora facilitada, resistência elevada dos fagos às condições ambientais, tecnologia flexível, rápida e barata. O uso da terapia fágica requer, contudo, um conhecimento detalhado das bactérias patogénicas dos peixes e a percepção de novos fenómenos cinéticos desconhecidos nos tratamentos convencionais. A teoria cinética indica que a altura ideal para o tratamento, a concentração de bactérias e fagos aplicados, bem como a estabilidade destes em relação aos factores ambientais podem ser fundamentais e que o uso adjuvante de antibióticos pode afectar a eficácia da terapia fágica (Park et al, 2000).
O objectivo deste projecto é obter conhecimento sobre este método de tratamento, estudando a interacção entre as bactérias patogénicas, os fagos e os factores ambientais em duas pisciculturas sujeitas a diferentes condições ambientais, em termos de contaminação de origem humana e de adição de produtos químicos. Uma, localizada próximo da Cidade de Aveiro, sofrendo alguma contaminação de origem humana e, por isso, sujeita a tratamento quimioterapeutico, e outra localizada numa área mais limpa, distante da cidade, onde a quimioterapia não é aplicada. Numa primeira fase, as principais bactérias patogénicas serão quantificadas e identificadas por “FISH” e por métodos tradicionais com o propósito de seleccionar os fagos mais adequados para o tratamento de doenças bacterianas específicas. O número total de vírus, a sua sobrevivência e influência na comunidade bacteriana serão igualmente determinados para avaliar o potencial da terapia fágica no controle de bactérias patogénicas de peixes. Numa segunda fase, fagos das principais bactérias patogénicas serão isolados e utilizados para estudar a cinética da sua interacção. Por último, a água de cultura e duas espécies de peixe economicamente importantes na indústria piscícola (Sparus aurata e Dicentrarchus labrax) serão infectados com as bactérias patogénicas previamente isoladas e tratados com os fagos específicos. Os efeitos da interacção entre bactérias e fagos na comunidade bacteriana das águas piscícolas e nos próprios peixes serão avaliados através do uso de técnicas moleculares de fingerprint. Os resultados proporcionarão informação sobre a viabilidade da utilização de fagos para controle de bactérias patogénicas de peixes em pisciculturas sujeitos a diferentes pressões ambientais. A possibilidade de inactivar bactérias patogénicas de peixes com fagos sem qualquer risco para o peixe, torna a desinfecção da água mais eficaz, evitando a contaminação do peixe, em comparação com métodos baseados na adição de antibióticos/desinfectantes às águas. Além disso, o baixo custo da terapia fágica, relativamente aos compostos químicos normalmente utilizados, acrescenta valor a esta nova tecnologia, podendo esta técnica ser atractiva para empresas e operadores da área.
Os resultados deste estudo avaliarão se a terapia fágica pode ser usada como uma tecnologia preventiva para inactivar bactérias patogénicas de peixes em pisciculturas sujeitas a diferentes pressões ambientais. O desenvolvimento de uma nova estratégia molecular para avaliar a comunidade da família Vibrionaceae contribuirá também para uma melhor compreensão da ecologia das principais bactérias patogénicas dos peixes.