No âmbito da apresentação dos projetos integrados no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), fomos conversar com Susana Loureiro (CESAM/DBIO), investigadora responsável pela participação da Universidade de Aveiro no projeto europeu PARC.
Nessa conversa procurámos conhecer um pouco mais sobre os objetivos e as características específicas desta “European Partnership for the Assessment of Risks from Chemicals – PARC”

CESAM: Como surge o projeto PARC?

Susana Loureiro: Este projeto surge na sequência de uma parceria anterior, o projeto HBM4EU (Human Biomonitoring for Europe – Science and policy for a healthy future), que era um projeto de biomonitorização humana, onde várias instituições tinham como objetivo monitorizarem a acumulação de diferentes tipos de substâncias químicas em humanos – como metais, micotoxinas, substâncias poliaromáticas cíclicas e outras.
Tendo em conta os resultados desse projeto, onde foi conseguida estabelecer a avaliação de risco em várias populações europeias, a União Europeia decidiu que era muito importante continuar esse projeto e estender o consórcio à parte ambiental. Por isso esta parceria europeia para a avaliação de riscos químicos [projeto PARC] começou com um conjunto de parceiros da avaliação de risco para a parte humana e depois complementaram a componente de parceiros que tinham competências na área ambiental.
Este projeto é, na verdade, uma parceria com os estados-membros, já que cada estado-membro é que escolhe os parceiros nacionais. Em Portugal existem dois parceiros beneficiários, o Instituto Superior de Saúde Ricardo Jorge e a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. E estas duas organizações escolheram os parceiros afiliados: nós [CESAM/UA], a Universidade de Coimbra, a Escola Superior de Saúde, Direção Geral de Saúde, etc. Nós fomos contactados especificamente por causa das nossas competências na área da avaliação de risco ambiental.

CESAM: Quando estamos a falar de riscos, estamos a falar exatamente do quê?

Susana Loureiro: Para nós avaliarmos se há o potencial de haver risco para a saúde humana ou para a saúde ambiental, ou seja, o potencial de que haja um impacto visível e sentido pela população… a população também sente os impactos ambientais, direta ou indiretamente… nós temos duas componentes: a componente da exposição e a componente dos efeitos. Depois vamos ver a probabilidade destes efeitos ocorrerem, atribuindo um valor ao risco, e esta quantificação vai dar informação sobre a existência desse risco.
Sempre que os efeitos [nos seres vivos] ocorrerem a concentrações [do químico] inferiores às que ocorrem no ambiente, nós sabemos que há risco. Se os efeitos ocorrem apenas a concentrações [do químico] superiores àquelas que existem no ambiente, então não há risco. Ou seja, se as concentrações são mínimas, e os efeitos só vão ocorrer a concentrações muito mais altas, o risco é diminuto ou nulo. Quando elas se aproximam, [as concentrações ambientais e as concentrações que causam efeitos], aí há probabilidade de haver riscos.

CESAM: Quando falamos de riscos químicos estamos a falar de substâncias químicas de todo o género? Desde um medicamento a um alimento?

Susana Loureiro: Sim, nós podemos dividir isto em dois tipos de substâncias: as que ocorrem naturalmente no ambiente e aquelas que são de produção antropogénica.
Mesmo aquelas que ocorrem no ambiente e que, por exemplo, surgem de explorações [mineiras], a mina existe e ocorre naturalmente, ou seja, o minério que lá está, ocorre naturalmente. A exploração vai fazer com que esse metal seja tornado disponível e seja libertado do sítio onde está. Ao fazer isso, nós estamos a aumentar as concentrações desses metais nessa zona… o que não estava previsto porque eles estavam todos concentrados no mesmo sítio, e numa forma pouco disponível para os organismos. Isso são substâncias que existem na natureza. Tudo o que sejam, por exemplo, chumbo, zinco, cobre, todos os metais que existem na natureza.
Depois temos as sintetizadas como fármacos, pesticidas, que são substâncias que têm, nalguns casos, base natural, ou seja, a molécula existe, mas é sintetizada e preparada com determinado fim e depois é libertada no ambiente direta ou indiretamente. No caso dos pesticidas são aplicados diretamente, no caso dos fármacos aparecem de uma forma mais indireta porque foram utilizados pelos humanos e vão ainda passar pelas águas de tratamento residuais e depois é que vão para o ambiente. Se for um fármaco utilizado na componente veterinária chega mais depressa ao ambiente porque chega através dos dejetos dos animais.

CESAM: Há pouco usou o termo saúde ambiental. Esse é um termo que não está muito presente na nossa linguagem quotidiana…

Susana Loureiro: E que gosto sempre de reforçar, porque há diferentes tipos de exposições no caso humano e nós associamos as nossas exposições apenas à alimentação. Sendo verdade, que se nós estamos a comer peixe e esse peixe está contaminado com alguma substância química, nós vamos ingerir essa substância. Assim, se os oceanos estão poluídos, isso vai passar para nós. No caso dos microplásticos, se um peixe os ingerir e se eles se alojarem em sítios do peixe que nós comemos, nós vamos ingerir os microplásticos.
No entanto, há muitas substâncias químicas a que estamos expostos no dia a dia e que têm uma influência sobre nós. Por exemplo, porque é que há tantos problemas de infertilidade atualmente e que não existiam antes? Porque é que há tantas mulheres com dificuldade em engravidar? Porque algo se passa com o homem ou com a mulher ou com os dois. Na maior parte dos casos não tem a ver com a genética dos dois, tem a ver com a componente ambiental. A nossa fisiologia pode ser completamente alterada por um destes fatores: o fator genético, o fator ambiental ou a conjugação dos dois… ou então algo que nós ainda não conhecemos.
E muitas vezes, a explicação está no fator ambiental ou no fator ambiental combinado com a genética. E estes fatores ambientais são maioritariamente, as substâncias químicas a que estamos expostos todos os dias… desde a nossa alimentação, produtos de higiene pessoal, desde os produtos que usamos para limpar a casa, aquilo a que estamos expostos no trabalho e no dia a dia. Nós estamos expostos a milhares de substâncias químicas por ano e isso faz com que, por exemplo, os níveis de fertilidade diminuam drasticamente.

CESAM: Como é decidem as substâncias que vão avaliar?

Susana Loureiro: A União Europeia tem uma lista de substâncias prioritárias, e esta lista, com o decorrer do tempo vai sendo alterada… aumentada, na verdade, porque infelizmente não diminui.
Depois há substâncias consideradas emergentes, que são notadas como sendo um novo problema. Muitas vezes pode ser um problema identificado logo de imediato, ou pode ser algo que suspeitamos que vai causar problema. Por exemplo, os microplásticos são algo que não está 100% provado que tipo de problemas vão criar. Comparativamente aos macroplásticos que nós sabemos os problemas que surgem para os animais marinhos. Mas com os microplásticos é mais difícil, apesar de sabermos que muito provavelmente vão causar problemas. E são, por isso, consideradas substâncias emergentes.
Depois [os critérios de inclusão nessa lista] são muito direcionados pelos efeitos. Há efeitos que são aqueles que são prioritários… por exemplo substâncias que provocam carcinomas, esses vão logo para o topo, são aqueles que são mais prioritários. E depois temos outros que provocam alternações do DNA, disrupção endócrina, que é um também dos efeitos mais prementes, porque a disfunção endócrina está associada à fertilidade, à reprodução, a várias funções muito importantes.
E temos ainda a neurotoxicidade, que está associado ao sistema nervoso central e que por isso também adquirem estatuto prioritário, ou seja, é urgente de perceber e gerar conhecimento sobre as substâncias que possuem esse tipo de efeitos.

CESAM: Para concluir, em que fase está o projeto e quais são os próximos passos?

Susana Loureiro: O PARC começou em maio de 2022, e termos uma parceria com institutos governamentais nacionais é algo nunca antes visto e muito complexo de coordenar… para além disso tem outra particularidade: tem a duração de 7 anos. Os projetos europeus costumam ter a duração máxima de 4 anos.
Dentro desta parceria vão existir centenas de pequenos projetos e para todos eles é preciso ter um orçamento, é preciso ter os parceiros, é preciso ter um plano de trabalhos definido… por isso, este primeiro ano foi muito em volta disso, embora já estejamos a fazer algum trabalho…foi muito à volta da organização e da preparação dos trabalhos e muitos dos grupos de trabalho vão começam a fazer trabalho “real” no 2º semestre do 1º ano.
Porque é muito complexo conseguirmos definir um plano de trabalho a 7 anos… em 7 anos a ciência evolui muito, e surgem novas abordagens, novas estruturas químicas que precisam de ser abordadas… e nós também queremos dar um passo à frente na avaliação de risco e criar aquilo que se chama a “new generation risk assessment (NGRA)”.
O NGRA está muito focado em diminuir o número de testes, ou seja, em diminuir a avaliação dos efeitos na prática, diminuindo os testes com animais (principalmente em vertebrados- ratinhos, peixes- e cefalópodes-polvos, lulas). Para isso, recorre-se a metodologias computacionais ou “in vitro” que utilizam abordagens computacionais ou células, organelos, organóides… tudo estruturas muito bem organizadas, mas que são estruturas de organização biológica mais baixa, ao nível do tecido ou das células. Isto para que seja possível dar uma perceção dos efeitos e não ser necessário utilizar testes em animais.
Outro ponto que pretendemos avançar é na avaliação de mistura de químicos…

CESAM: … mistura de químicos?

Susana Loureiro: Sim, porque nós não estamos expostos a uma só substância química, e a avaliação do risco é frequentemente feita de químico a químico, nunca sendo vista como uma soma de risco. Ou seja, é sempre: “há risco para esta substância? Não”; “Há risco para esta outra substância? Não”.
Mas a verdade é que se somarmos o risco mínimo destas substâncias, será que não dá um risco mais elevado? É como eu costumo exemplificar: imagina que uma determinada substância química, a uma dada concentração induz 10% de efeito… 10% de efeito, seja o que for que estivermos a medir, é algo que muitas vezes pode ser derivado do acaso (10%). Mas se tivermos 10 substâncias químicas que causam 10% de efeito, e se as somares todas, chegas ao final com um efeito já mais relevante. Neste caso, é fazer as contas e tens um efeito de 100%!
E atualmente, o que é avaliado é químico a químico, independente da presença dos outros.

Para mais informações sobre o projeto PARC, consultar aqui.
Este projeto recebeu financiamento através do programa de investigação e inovação da União Europeia, Horizonte Europa, sob o acordo nº 101057014.